As mulheres nos departamentos de química

Vânia Zuin compartilhou suas observações sobre o papel desempenhado por mulheres nos departamentos de química em duas universidades, a Universidade de York, no Reino Unido, e a UFSCar, no Brasil. Ela discorre em seu artigo sobre diversas questões ao entorno desse tópico
Hoje muitas mulheres atuam em áreas que eram dominadas por homens, como é o caso da ciência. E apesar de cada vez mais mulheres realizarem um doutorado nessa área, não há um número significativo delas em cargos de poder, tais como conselhos consultivos científicos (conselhos editoriais de revistas, conselhos de concessão de recursos, comitês de seleção acadêmica), como líderes em start-ups ou em empresas bem estabelecidas.
 

“Num contexto de dominância masculina sobre todos os níveis em que a tomada de decisões impacta carreiras acadêmicas, mulheres são raramente visibilizadas, dando a impressão de que a ciência pertence essencialmente aos homens.”
 
Para a pesquisadora, o primeiro passo para enfrentar este desafio é reconhecer sua existência. Além disso, é de fundamental importância conectar os debates acadêmicos sobre gênero com os fatores da combinação entre trabalho e família. Parece óbvio que o assunto não é “feminino”, diz Vânia. Entretanto, segundo Shen, que é editora da revista Nature, no Reino unido muitos estudantes de química consideraram que a pesquisa era incompatível com a criação de uma família, e, apesar do cronograma da pesquisa acadêmica parecer assustador tanto para pais quanto para mães, a escolha em relação a família parece pesar mais nos objetivos de carreira das mulheres.
Outro ponto relevante apontado pela pesquisadora são os chamados “não-acontecimentos”, que “são sobre não serem vistas, ouvidas, apoiadas, encorajadas, levadas em consideração, validadas, convidadas, incluídas, bem-vindas, cumprimentadas, ou simplesmente questionadas.” explica Spencer. Essas são formas poderosas de desencorajar sutilmente, marginalizar e excluir as mulheres da ciência. É necessário reconhecer esses “não-acontecimentos”, de forma que as mulheres se sintam mais encorajadas.
A ciência é feita de conexões, destaca Vânia:  “Ciência, como uma construção histórica e social, é uma rede. Sua solidez, impacto, pertinência e beleza são diretamente proporcionais aos altos níveis intelectuais, interdisciplinares, de engajamento e diversidade das pessoas envolvidas, obviamente, incluindo o universo feminino.”
 
O Clube Humboldt do Brasil e toda a rede internacional de ex-pesquisadores da Fundação Alexander von Humboldt é central, no sentido em que promove conexões entre pesquisadoras e pesquisadores no Brasil e no mundo.
 

Reino Unido x Brasil
 
No momento em que foi realizada a pesquisa o Departamento de Química da UFSCar contava com 52 professores em cinco subáreas tradicionais (orgânica, Analítico, Físico, Inorgânico e Bioquímico), as mulheres são apenas 26% do total desse total. Apesar do elevado número de associados da UFSCar em Comitês de decisão científica brasileira (CAPES, CNPq, FAPESP, IUPAC), poucas são mulheres.
Diante desses números, uma situação bastante semelhante pode ser observada no Departamento de Química na Universidade de York hoje, na qual 19% do total de palestrantes e professores são mulheres, nenhuma das quais é chefe ou Chefe Adjunto de Departamento, Presidente de Pós-Graduação ou Presidente do Quadro de estudos. No entanto, esses dados não demonstram totalmente os esforços institucionais que foram feitos por este departamento, com o objetivo de promover a participação feminina em todos os níveis de atuação.
No Reino Unido existe uma iniciativa denominada Athena SWAN (Rede Acadêmica de Mulheres da Ciência), um esquema para reconhecer um bom emprego de prática para mulheres na ciência, engenharia e tecnologia no ensino superior e pesquisa. Conforme declarado em seu site, “Química em York foi o primeiro departamento acadêmico do Reino Unido a receber o prêmio Athena SWAN de ouro, conquistado pela primeira vez em 2007, e então novamente em outubro de 2010. Uma apresentação para uma próxima renovação do prêmio foi feita em novembro de 2013 (Universidade de York, 2014)
No Brasil, tanto debates quanto programas de apoio a presença de mulheres na ciência ainda são incipientes. A Academia Brasileira de Ciências - fundada em 1916 para promover o desenvolvimento de pesquisas de base nacional e difundir a noção de ciência como fator promovendo a prosperidade e o desenvolvimento tecnológico - atualmente tem 73 membros femininos de um total de 643 membros, o que corresponde a cerca de 11,4% (ABC, 2014). Mais recentemente, o CNPq lançou dois programas de pesquisa para enfrentar os papéis de gênero em todas as áreas do conhecimento, principalmente as científicas e tecnológicos: ‘Mulheres pioneiras na ciência brasileira’ (Melo; Rodrigues, 2000) e ‘Jovens pesquisadoras '(CNPq, 2014).
 
Veja o vídeo com o relato da Dra. Vânia:
 
 
 
Vânia é bacharel e licenciada em Química pela Universidade de São Paulo (1993), mestre em Ciências (Química Analítica) pela Universidade de São Paulo (1997), doutora em Ciências (Química Analítica) pela Universidade de São Paulo (2001), com estágio doutoral em Química Analítica - Universitá degli Studi di Torino - Itália (2001). Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (2010). Pós-doutora em Química pela Universidade de São Paulo (2004), e pelo Centro de Pesquisas Ambientais - Helmholtz-Zentrum für Umweltforschung / UFZ - Alemanha (2005), com apoio da fundação Alexander von Humboldt (AvH), bem como pelo Green Chemistry Centre of Excellence, University of York (GCCE-UoY), Inglaterra (2014) e Leuphana University, Alemanha (2020). Atualmente é professora doutora da Universidade Federal de São Carlos junto ao Departamento de Química (Associada), credenciada ao Programa de Pós-Graduação em Química e ao Programa de Pós-Graduação em Educação, bem como professora visitante da University of York (UK) e Leuphana University (Alemanha).
 
 
 
 
Pesquisadora:
Prof. Dr. Vania G. Zuin (FRSC, CNPq-PQ)
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Leuphana Universität Lüneburg (Alemanha)
The University of York (Inglaterra)

 
Referência: Mind the Gap: Comparison of the role played by women in the departments of Chemistry of two universities and the influence of gender on their participation https://doi.org/10.1515/ci-2015-0404
 
 

Autor: 
Bruna Senke Marcelino
Data de Publicação: 
17/11/2020
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